quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Índole

   A mente humana, ou pelo menos as que tenho conhecido, tende a fugir. Quando qualquer tipo de adversidade nos confronta temos vários caminhos a seguir: os que contornam os obstáculos, os que os ignoram como inexistentes, os que fingem uma falsa existência de um meio para o fim, e, raramente, os que destroem os seus obstáculos, exterminam-os sem pensar duas vezes.
   Infelizmente poucos são os que têm a capacidade de seguir o caminho mais difícil e enfrentam os seus medos e em paralelismo a maior parte de nós, meros mortais, evitam os nossos próprios conflitos pessoas e caímos numa espiral descendente de mentira e fuga a nós próprios.
   Não julgo nem recrimino  qualquer um dos caminhos que sigam na vida, eu próprio sei que não faço parte da minoria corajosa, mas sei que qualquer um dos caminhos, que não a aniquilação dos nossos demónios, devora-nos por inteiro com o tic-tac estalado dos relógios; acabamos arruinados, pelo nosso medo de ser, por dentro (somos o Templo Grego majestoso e imponente que é lentamente erodido e danificado e despedaçado pelas areias de Cronos). Procuro sempre a escapatória à auto-mutilação, auto-fuzilação, auto-bombardeamento, mas é inevitavelmente mais forte que a minha vontade de ser alguém que eu mesmo.
   E quando se quebra não se volta a montar, nem a resina mais peguenta em toda a Terra conseguiria meter-nos como a linda jarra Ming que éramos no início; teremos sempre grandes marcas da fractura, da queda, inesquecivelmente dolorosa. Cicatrizes de viver.
   Esta é a essência que nos compõe enquanto espécie avançada, civilizada, sensitiva.



   Queres fugir? Foge, então! Mas pelo menos deixa-me fugir contigo. Destruir-nos-emos com o tempo mas será fogo de artifício.
   Queres morrer? Morre, então! Já estou morto de qualquer forma se não podes ser tu comigo e nós for ficção.

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Saber Saber

Sei que sei que não é loucura.
Sei que sei que não é demência nem devaneio.
Sei que sei que não é mente numa partitura
Vinculada, clássica, metódica, previsível no seu enleio.

No entanto, sei que o que sei é desejo,
Desejo de te querer como eterno meu...
Mas, neste conto de fadas, és a águia e eu Prometeu...
Ai! Se toda a alucinação, tentação não fosse do que em ti vejo...

(O cheiro a tabaco
Empesta o meu quarto.
O pensamento quente de ti
É o fumo que percorre os pulmões em mim.

A luz é baça e escura
Como o sentimento que já não sei sentir
Sem haver depois a negação de cura
Que é olhar e ver e viver sem ti.)


Não! Está calado, por favor!
Nem mais um sorriso! Nem mais um olhar!
Nem mais um pensar do pensamento que me deixa de pavor!
Nem mais uma pureza nesse teu doce silvar!

E depois descubro que o que sei que sei
É ilusão, fruto de imaginação fértil.
Produto de um ser apagado e frágil.
Mas ainda assim queria fazer disto uma realeza, e tu, o Rei.

E saber saber? Não sei!

terça-feira, 30 de setembro de 2014

Estranhar

Sou um parasita deste corpo que digo meu. É fragmentação do que me é físico e sinto do não querer ser e do cansaço de tentar não ser. Contam-se três compassos completamente diferentes naquele relógio, na mesma melodia, assíncronos e sem jeito; morto, velho e pútrido. E dos três nem um me coube ser porque de ouvir o que tinha esquecido, não fui e não serei; só o espaço entre ondas, repetidas, noctívagas, descontextualizadas.

E ainda se tem a falta de carácter e discernimento para pedir a inexistência quando lhe é concebida no deambular de um pensamento. Cessai. Pedir o que é seu desde o princípio, esquecer o conceito de posse, esquecer que existe e não.

Parasita, um vírus, precisa de um algo no que sobreviver, e, não é que este sobrevivia do que restava de si? Canibalismo ou fome de não ser? De desistir, cessar existência. Dói. Ironicamente dói. Infelizmente dói. Infelicidade não da dor em si mas sim de saber que está lá. Folgar em saber que não falta muito, morrer de saber que acabei de pensar.

domingo, 4 de maio de 2014

Estou despedaçado

Quero um fim.
Não quero um princípio ou um meio,
Só um infindável redutor fim.
Transtornado este viver de enleios.

A vida faria mais sentido
Se não existisse de todo,
Pois este viver cuspido
Não passa de mais um andar torto.

Fragmentária a memória
Que queria não lembrar até.
Não passou de mais uma escória
Que só a enfrento se aplaudir de pé.

E queria esquecer tudo o que não vivi
Porque aquilo e aquilo que esqueci de fazer
Não passam de fragmentos do tempo em que caí.

E a última sonata por ouvir, viver,
Será aquela que não tem som
Pois só ela, e ela só, fará ferver
O meu sangue com a melancolia sem tom.