quinta-feira, 28 de março de 2013

Crepitar

Um fado de anjo,
Um destino incompreendido
Com um final de demónio,
A assunção do não divino.

O ser, crepita, guincha,
Berra da dor que sente,
A dor que sente por dor não ter, e esta,
A dor primórdia de todas as dores que nunca sentiu.

E este sujeito que sujeitou-se,
Submeteu-se, à atrocidade
A que chamavam de Amor.

Um caminho divino por percorrer,
Mas com um desenrolar sempre de tenebra,
O Amor e o seu efeito.

terça-feira, 26 de março de 2013

Madeira

Um pedaço de cipreste selvagem
Cai, ao som apaziguador da chuva.
Um grupo majestoso de cervos corre e foge
E avisam todos de calada do desastre eminente.

Um som ensurdecedor de pássaros e toupeiras
Que gritavam pela perda de um ramo,
Enquanto os cervos alimentavam-se
Do que restava daquela nobre ex-vida.

Uns lamentavam, outros gozavam.
Eu quieto vendo-me putrificar.
Uma morte verde.
E foi aí que surgiste.

A chuva caía e foi aí que te encontrei...
Um fungo que putrificou quem eu era antes.
Eu era um pedaço de madeira vivaz e tu,
Tornaste-me em não algo morto, mas em vida.

Tu tornaste possível que crescêssemos juntos,
Síncronos, em sintonia.
Desfiz-me por ti
E voltamos a fazer-nos por nós.

Um pedaço de cipreste selvagem
Que outrora caíra na calada da chuva,
Hoje tornara-se um cipreste bravo
Que durou e durou.

sábado, 23 de março de 2013

Paruitatem

Recordações incineradas.
Memórias desfeitas e pulverizadas.
Lembranças do que não era meu,
Mas sempre desejei que fossem parte de mim.
Nem isso o eram.

Eu sempre fui isso.
Eu sempre fui nada mais que pó.
Sempre algo abaixo de...
Sempre algo que tinha que ser submetido.

E é isso que sou para ti não é?
Insignificante mais uma vez...
Outra vez abaixo de pó,
Outra vez um ser que não é,
Outra vez um prólogo sem sentido.

Eu tive tempo para ser mais,
Para ser alguém.
Para ser teu.
Mas esse tempo, queimei-o.

Erodi o tempo com a amargura que sentia.
Queimei a minha existência com a chama
Do amor que sentia por ti.
E nem olhei para trás.
Eu matei-me.

Fui deixado corroído por mim
Mas na verdade, a culpa foi só tua.
Porém por ti o fiz,
Por ti me perdi.

Eu o errado por pensar que
Deitar as culpas em ti o certo.
Eu apaguei o nosso preâmbulo
Com um grito condensado em mil.
Um frémito de destruição.

E no final peguei no nosso livro,
Que nunca existiu,
E afoguei-o.
Afoguei-o em ácidos reconfortantes.

A dor de não te sentir
Era melhor do que a dor
Que sentia por ti.
Por isso eliminei-te,
E tornei-te insignificante também.

Recordações incineradas.
Memórias desfeitas e pulverizadas.
Lembranças do que não era meu,
Mas afinal era tudo meu, eu é que não o quis.

sexta-feira, 22 de março de 2013

Transparência

Eu agora apagado.
Eu agora sem existência na tua vida,
E se ainda existo,
Sou muito pouco.

Lembro-me da altura em que
Éramos realmente felizes.
Verdadeiramente, desfrutávamos
A companhia, um do outro.
Os nossos lábios eram virgens
A cada beijo,
Porque a cada beijo que dávamos
Era como se fosse o nosso primeiro.
Cada vez que agarravas a minha mão,
Era um mundo inteiro qu'eu agarrava,
Porque foi isso o que sempre me foste;
O mundo e o para além de.

Eu, parvo, fui perdendo o encanto
Do que é estar a dois...
Cada vez que estávamos juntos,
Já não era a mesma coisa,
Porque era quase que,
Com uma obrigação para mim...
Porque eras a minha pessoa e eu a tua,
Não te podia perder,
Mas por actos egoístas e egocêntricos
Isso acabou por acontecer...
Não foi?

Comecei a perder-te porque
Eu negligenciei o teu amor,
Negligenciei a tua presença,
Negligenciei o "nós".

Maldito eu, que fui eu fazer?

Agora choro eu pelos cantos,
Quando na altura que tu choraste
Eu não quis saber...
Irónico.
Agora quero voltar para ti e não posso...

Agora queres tu ser feliz,
E comigo já não o és...
Vi-te no outro dia, com um outro,
Um outro que fazia-te sorrir,
Fazia-te sentir como, nunca alguma vez,
Eu tinha te feito sentir.
Isso despedaçou-me,
Mas tenho que continuar.
Apesar de tudo,
Apesar de te ter feito sofrer,
E tu a mim, só te quero fazer
Sorrir.


Eu agora apagado.
Eu agora sem existência na tua vida,
E se ainda existo,
Sou muito pouco.
No final eu fui o mal da fita...

sexta-feira, 8 de março de 2013

Sacrifício (Se eu fosse...)

Se eu fosse apaixonado seria diferente.
Apaixonado pela vida,
Apaixonado pela cor,
Apaixonado por cada momento vivenciado...

Em vez disso vivo no meu pequeno mundo,
Um mundo a preto e branco...
Um mundo só meu onde não preciso
De me preocupar com os olhares
E com os segredares que fazem
Cada vez que a minha sombra é avistada...
Um mundo onde eu sou eu
E tu não és nada por não existes,
A dor que me causas não existe.

Mas então se tu não existes...
Porque dor ainda sinto?
A dor de me sentir vazio? Oco como um tronco?
Sim, esta sim, tortura-me.

Se eu fosse apaixonado talvez fosse normal,
Porque assim sabia que me querias
E que eu era merecedor de ti,
Mas fechado no meu casulo
De solidão cinzenta não é a porta...
Eu preciso amar-te cara a cara e
Gostava de ser apaixonado porque
Seríamos um do outro,
Incondicionalmente...

Mas porque não entras tu no meu mundo?
Porque não largas os que te deixam magoado
E não te juntas a mim? Podíamos viver em harmonia síncrona,
Mas porquê, de alguma forma, te afasto eu?

Troco passos com a solidão quando,
Podia trocá-los contigo...
Triste vida a minha...
Mas se estar contigo significa que
Tu sejas odiado pelos que te querem bem,
Então prefiro estar sozinho.
Não vou abrir mão da minha solidão
Para que depois sejas tu o ser torturado.
Não o permitirei!

Serei idiota e egoísta,
Fechado a sete chaves incineradas
Para que não caias na tentação
De me vir procurar...

Mas não é isso o que é ser apaixonado?
Sacrificar?

domingo, 3 de março de 2013

Frio

És frio.
O teu coração gélido
E enevoado.
Escondes o que sentes entre dentes,
Com medo que, por alguma razão,
Eu venha a implodir.

As tuas palavras não dizem nada;
Já foram gastas e erodidas pelo
Tempo em que investi em ti,
E esse tempo que podia ter sido
Utilizado para o "nós"...

Tu com medo de me atingir,
Com medo de me partir,
Tratando-me como porcelana,
Fizeste-o.
Deixaste-me cair.

O parvo é que eu gostei,
E o melhor disto tudo,
O melhor da minha vida,
Foi isto.
O teu desprezo contínuo.

sexta-feira, 1 de março de 2013

Sentidos

O significado que não significa nada.
A tua significância é insignificante,
E tudo o que antes era significativo,
Tudo que dantes era puro,
Agora tornou-se inexistivo.
Palavra rasgadas ecoavam,
Torturavam, vilipendiavam,
No meu ser.

O sentido que deixou de fazer
Porque tu deixaste, tu permitiste.
Tu permitiste esta subducção,
Onde eu metia tudo o que significava "tu"
Por cima de tudo que significava "eu".

A ignorância em que tu me tornaste,
Num ser vil.
Num ser sem sentido.
Num ser sem saber o que ser.

Porque o sentido perdeu-se
Para um mero caso com outros,
Por um mero caso com cravos.

E eu que dantes passeava nas urzes,
Senti necessidade de correr em campos de urtigas.
Senti necessidade de pegar em espinhos de rosas
E espalhá-los num caminho para que eu o percorresse;
Sentir a dor nas minhas plantas.
Sentir o ardor e sentir o sangue desaparecer.

Uma existência maltratada e
Um arcanjo que atirava flechas.
Uma existência como um São Sebastião,
Que ao defender no que acreditava,
Mil flechas ao seu corpo foram atiradas.
Um arcanjo como um São Miguel,
Lutou contra demónios e cristãos
Montado no seu dragão.
Não é o "eu" o dragão?

Sentidos ocos,
Sentidos vazios,
Sentidos que já não existem,
Sentidos que nunca deviam ter existido.